O livro América Latina na encruzilhada é um balanço, nem sempre otimista e alentador, das duas últimas décadas de transformações em nosso continente. Após uma euforia inicial, parecida com aquela experimentada nos primeiros anos da Unidade Popular com Salvador Allende no Chile em 1970-1973, uma série de governos populares na Argentina, Brasil, Bolívia, Equador e, ainda uma vez, no Chile, fez ressurgir a possibilidade de mudanças profundas num continente onde, desde suas origens, a colonidade parecia ser um destino inexorável.No entanto, uma série de golpes, mesmo que com novas roupagens, primeiro em Honduras, depois no Paraguai, Brasil e Bolívia viria explicitar que mesmo os governos ditos "populares e progressistas" e suas agendas reformadoras, no âmbito do capitalismo, não tinham condições de avançar numa sociedade rigidamente classista, desigual, racista e marcada por um profundo egoísmo histórico.Os autores reunidos neste livro, para além de um balanço histórico dos avanços e recuos dos movimentos populares, se lançam à complexa tarefa de questionar as razões históricas – e portanto, suscetíveis de transformação – que ainda hoje condenam os povos latino-americanos a viver em Estados marcados por uma "sub-soberania", sujeitos a uma condição colonial, controlados por uma elite mesquinha e desprovida de qualquer projeto nacional. Para tal, os pesquisadores fazem uma "interpelação do Estado" na América Latina, de sua natureza e limitação, de seu caráter de classe, de sua incapacidade de deslocamento em direção aos grupos subalternos, populares, às grandes maiorias étnicas historicamente exploradas, às minorias de gênero e regionais.O livro em questão é uma reflexão sobre a perda da inocência teórica, um passo em direção à superação das utopias e da maturidade política. Trata-se de sair do sonho e adentrar no mundo real: o que representa ganhar eleições hoje na América Latina? O que representa a liberdade de expressão? Qual a importância do jogo político parlamentar? Todas estas questões são colocadas, sem sectarismos, em dimensão teórica rigorosa, sem perder de vista a relevância da educação política, da organização autônoma das classes trabalhadores e do debate político corretamente fundamentado.A "encruzilhada" atual da América Latina implica em caminhos múltiplos e simultâneos e no entendimento do poder sempre renovado e ampliado, que as elites usam constantemente para manter seu controle sobre a sociedade. Este livro, quiçá, represente um passo na retomada do debate americanista fundamental, que havia se perdido no Brasil, sobre a tragédia que se abateu sobre o nosso continente e as possibilidades de retomada da crítica e da ação pelos povos latino-americanos.Francisco Carlos Teixeira da Silva, professor Titular de História Moderna e Contemporânea/UFRJ e professor Emérito da ECEME. Ganhador do Prêmio Jabuti 2014.
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